DestaqueGeralNotíciasPolítica

MP entra com ação de improbidade por contratação de empresa de coleta de Lixo e pede indisponibilidade de bens de Prefeito

Ação é resultado da investigação por contratação de empresa por dispensa de licitação para coleta do lixo desde 2017, mesmo com proposta mais cara

O promotor de justiça Fernando Lanza, da 2ª Vara do Patrimônio Público em Três Lagoas, protocolou no dia 19 de dezembro de 2019, na justiça local, uma Ação de Improbidade Administrativa contra o prefeito Angelo Guerreiro, o secretário de Governo Daynler Martins Leonel, do secretário de infraestrutura Adriano Kawata Barreto, do diretor de Licitações Adelvino Francisco de Freitas e do empresário Fernando Antônio Fernando de Araújo Garcia, proprietário da empresa Financial Construtora Industrial Ltda. O promotor pede ainda a indisponibilidade de bens dos réus até o valor de R$ 9.626.169,73 para ressarcir eventuais danos ao patrimônio público, em função da contratação da empresa de forma lesiva ao município, segundo ele. 

De acordo com o promotor Fernando Lanza, a empresa Financial Contrutora Industrial Ltda., há anos vem prestando o serviço de coleta de resíduos sólidos no Município de Três Lagoas e operando o aterro público. “Após os 03 meses de transição e 05 meses a frente do Executivo local, e não cabendo mais prorrogação de prazo do contrato firmado com a referida empresa, o Prefeito de Três Lagoas Ângelo Chaves Guerreiro determinou a realização de novo procedimento de dispensa de licitação, em caráter emergencial, para a realização do aludido serviço, enquanto não se decidisse pela realização ou não de parceria público privada acerca da coleta de lixo”, destaca. 

Por não caber mais procedimento de dispensa de licitação, por vedação expressa da Lei de Licitações, que estabelece como uma das restrições para as contratações emergenciais prazo máximo de 180 dias, e que já havia expirado, de acordo com a ação, “a mando do Prefeito Ângelo Guerreiro, a Prefeitura de Três Lagoas, por seu setor de licitação chefiado pelo servidor Adelvino Francisco de Freitas, foi manejado procedimento para a contratação direta e emergencial, pelo prazo de 90 dias, de empresa para a execução do serviço de coleta e disposição final do lixo”, frisa o promotor, destacando que essas ações foram logo no início do mandato do atual prefeito, em 2017. 

Fernando Lanza menciona que cinco empresas foram selecionadas pela própria prefeitura para cotação de preços. A empresa Congeo Ambiental Eireli EPP apresentou preço mensal de R$ 1.242.741,70 e preço trimestral de R$ 3.728.225,10; a empresa Morena Coleta e Engenharia Ambiental Ltda. apresentou preço mensal de R$ 1.194.189,96 e trimestral de R$ 3.582.569,88; a empresa Kurica Ambiental S/A apresentou preço mensal de R$ 834.824,46 e trimestral de R$ 2.504.473,38; a empresa Finalcial Construtura Industrial Ltda. Apresentou preço mensal de R$ 1.145.349,29 e trimestral de R$ 3.436.047,87 e a empresa Equipe Engenharia Ltda. Apresentou preço mensal de R$ 1.302.117,91 e trimestral de R$ 3.906.353,73. 

A proposta da Financial, declarada vencedora pela prefeitura, representava o pagamento de R$ 145,73 pela tonelada de resíduos coletados e lançados no aterro municipal, e, por sua vez, a Kurica forneceu proposta de R$ 99,00 a tonelada. Enquanto o valor mensal da proposta da Financial foi de R$ 1.145.349,20, a Kurica Ambiental apresentou na mesma cotação de preços, proposta no valor mensal de R$ 834.824,46. “Com isso, haveria aos cofres públicos uma economia mensal de R$ 310.524,83, o que equivale a quase R$ 1 milhão, ou exatos R$ 931.574,49, ao final dos 03 meses”, aponta o promotor, que também questiona outro fato importante, “Não deixa de causar certa estranheza, porquanto ao cotar com as empresas presume-se que a Municipalidade ab ovo reconheceu a capacidade de todas na realização do serviço. De qualquer forma, a empresa escolhida e que firmou contrato com o Município de Três Lagoas foi mesmo a Financial”. 

O contrato de prestação de serviços, sob o n. 53/2017 no valor global de R$ 3.435.047,87, válido pelo prazo de 90 dias, foi firmado em 08 de maio de 2017 pelo Prefeito Ângelo Guerreiro e Antonio Fernando de Araújo Garcia, proprietário da Financial.  “Diante da proposta com menor preço (da empresa Kurica), não há como dizer que o valor da Financial não ofende a vantajosidade. Informou a Kurica que …é público e notório que com valores inferiores é possível destinar os resíduos em local privado, encerrando definitivamente todas as condições de irregularidade ambiental que atualmente o aterro municipal se encontra, além de promover mais economia ao município”. 

O promotor relata ainda na ação todo o trâmite realizado pelos servidores da prefeitura até a assinatura do contrato com a empresa Financial, e também os questionamentos apresentados ao MP pelo proprietário da empresa Kurica, Marcelo Almeida de Oliveira. “Sem modéstia, Marcello garantiu possuir condições técnicas de exercer o serviço melhor que a empresa Financial”, frisou Lanza. 

Questionada a apresentar justificativa plausível sobre a denúncia, de acordo com o promotor, várias versões foram dadas pela prefeitura durante a apuração dos fatos com os servidores envolvidos, que a princípio alegaram preço muito abaixo do mercado apresentado pela Kurica e posteriormente, apresentaram uma tabela do Tribunal de Contas do Estado com valores aplicados ao mercado em municípios acima de 55 mil habitantes, mas que também não justificava a contratação da Financial por ser, exatamente a empresa com valor muito acima do apresentado na planilha. 

“Na ocasião, o Prefeito alegou que a escolha foi baseada em critério técnico, estabelecido pela legislação (fls. 80). De fato, a análise técnica lançada no procedimento de dispensa sustenta que o preço da Kurica diverge muito das demais propostas apresentadas, com valores para os itens muito abaixo dos praticados no mercado. O Município chegou a emitir nota dizendo que o preço da Kurica estaria muito aquém, segundo inclusive apontamento do Tribunal de Contas, de modo que haveria risco de não execução do contrato. O mesmo argumento foi utilizado por Adelvino Francisco de Freitas no procedimento de dispensa de licitação (fls. 654/655). Por sua vez, o assessor jurídico informou que a Kurica ofereceu um preço muito abaixo da média e, que por se tratar de um contrato emergencial, o município não pode correr o risco do serviço ser interrompido por algum motivo, mas se contradiz quando alega que não está afirmando que a empresa não conseguiria realizar esse serviço pelo preço contratado, mas ela teria oportunidade de fazer isso no procedimento próprio, só não posso correr o risco no emergencial”, ressalta o promotor na ação. 

Segundo o promotor Fernando Lanza, diante da publicidade da situação e de toda a repercussão gerada, a administração mudou o argumento. Em nota oficial, acentuou que a desclassificação da empresa Kurica ocorreu “porque os preços apresentados fugiam da média histórica realizada pela administração nos últimos anos. Ocorre que o então Diretor de Infraestrutura da Prefeitura, que efetuou a análise das propostas e acenou pela contratação da Financial, num primeiro momento Adriano Kawahata Barreto chegou a relatar que não houve análise técnica das concorrentes: Todo preço, segundo ele, segue um padrão dos outros contratos dos últimos 6 meses, com a própria Financial. Os preços oferecidos que ficaram muito diferentes do padrão foram descartados porque não houve como avaliar. A lei me permite que eu faça isso”, disse Adriano.  

“Ao assim o fazer, entrou em flagrante contradição, afinal foi ele mesmo quem assinou a Análise Técnica das Propostas, documento que embasou a exclusão da Kurica e das demais proponentes e a consequente escolha da Financial; e, mais, ao ser ouvido nesta PJ, o agora Secretário Adriano K. Barreto admitiu não ter experiência com a aplicação da Lei de Licitações, deixando evidente que não a observou quando da análise das propostas”, destaca o promotor. 

“Impossível, pois, dizer que não há sequer indícios hábeis a levar à conclusão da prática de improbidade administrativa, ou ainda, que não existe sequer a demonstração da probabilidade do direito invocado”Fernando Lanza. 
Câmara 

O assunto também foi alvo de denúncia do vereador Renée Venâncio na Câmara de Vereadores em 2017, que chegou até a abrir uma Comissão Especial de Inquérito – CEI, a pedido de Venâncio, para apurar as irregularidades denunciadas pela empresa Kurica Ambiental na contratação da Financial por parte da prefeitura de Três Lagoas. 

Após as investigações da Comissão criada, a relatora na época, ex-vereadora Marisa Rocha, apresentou relatório pedindo o arquivamento da denúncia por entender que o processo tinha sido feito de forma legal e a Comissão acatar os argumentos de defesa da prefeitura, o que é veementemente refutado na atual ação impetrada pelo promotor sobre a mesma investigação. 

Na época Renée Venâncio chegou a fazer um pronunciamento como desabafo na tribuna da Câmara, pedindo ajuda do Ministério Público e do Judiciário, pois estava preocupado com os rumos que a administração municipal estava tomando e os inúmeros indícios de irregularidades praticadas em contratos de empresas e assessorias por parte da prefeitura, sem os devidos processos licitatórios, através de dispensa de licitação.

Através de ofícios do promotor Fernando Lanza, em três anos, aproximadamente trinta Comissões de Investigações foram criadas na Câmara para apurar diversas denúncias de irregularidades praticadas pela atual administração municipal. Algumas já foram arquivadas pelos vereadores, mesmo com parecer pedindo abertura de Comissão Processante, e outras ainda aguardam os relatórios para ser analisados pelo plenário. 

Ex-servidor denuncia favorecimentos 

Fernando Lanza também aponta na ação protocolada a versão de um ex-servidor que em depoimento ao Ministério Público no decorrer da apuração das denúncias, acrescentou outras denúncias ainda mais graves sobre a forma que são escolhidas empresas para prestar serviços na prefeitura de Três Lagoas. De acordo com Lorivaldo Fabricío, que à época trabalhava e chefiava a cotação do setor de licitação, “não exclui o envolvimento do Prefeito, mas esclareceu que aquele setor não tem autonomia. Quem organiza e dita as ordens é Daynler Martins Leonel, Secretário Municipal de Governo e Políticas Públicas, juntamente com Adelvino. Não há liberdade de atuação naquele setor. Leonel inclusive encaminha a relação de empresas que devem ser cotadas”. No caso do lixo não foi diferente, “segundo Lorivaldo Fabrício, houve uma anterior análise técnica quanto às propostas relativas à coleta de lixo feita por Adriano K. Barreto. Nela, foi apontada a Kurica como a proposta vencedora e não destoante da média histórica. Porém, como não havia interesse na contratação da Kurica, mas sim na manutenção da Financial, todos os arquivos de computador daquele setor foram apagados. Ditos documentos desapareceram. Posteriormente, outra análise foi elaborada por Adriano, desta feita contemplada, na linha do que acima exposto, a Financial. Para não destoar a proposta da Financial da média histórica, fizeram dias antes um novo aditivo de preço no contrato então vigente”. 

De acordo com o promotor, na linha do que informado por Lorivaldo Fabrício, a estratégia de aditivar o contrato firmado na Administração anterior e ainda vigente por força de aditivos de prorrogação de prazo, elevando-o em 6,72%. Assim, justificou-se o valor da Financial. Isso foi feito por ato do Prefeito Ângelo Guerreiro em 27 de abril de 2017, o que se coaduna com a versão de Lorivaldo Fabrício que o acréscimo se deu para respaldar o valor da pretendida contratação com a Financial. “Como visto, pouco mais de 10 dias após, em 08.05.2017, foi firmado contrato de prestação de serviços, sob o n. 53/2017 (que integra o processo administrativo de dispensa de licitação de fls. 102/1.322), no valor global de R$ 3.435.047,87 com a Financial. Importante dizer que o aditivo elevando o valor para R$ 423.160,00 (fls. 96) foi com base no art. 65, § 1º, da Lei 8.666/93, dispositivo que possibilita apenas aumentos quantitativos, algo no mínimo estranho considerando o momento que foi feito e que estamos tratando de uma empresa que há anos atuava no Município”, diz o promotor. 

“De todo o enredo o que se observa é que para beneficiar a Financial ou talvez para excluir a Kurica, já naquela oportunidade a contratação resvalava na pessoalidade e, via de consequência, atingia na competitividade e na vantajosidade”, acusa o promotor. 

Licitação 

Ao comentar sobre a tentativa de se licitar o serviço de coleta de lixo, o promotor revela a contratação frustrada da FAPEC para formular o edital, ao valor de R$ 170.000,00, que foi anulado pelo Poder Judiciário, uma vez que, inovando, propôs que a seleção da empresa fosse do tipo técnica e preço. “Olvidando-se bisonhamente que técnica diz respeito a serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de estudos técnicos preliminares, projetos básicos e executivos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento, e de engenharia consultiva em geral (art. 46, da Lei nº 8.666/1993). Olvidaram-se ainda que sua utilização se dá apenas em situações excepcionais, pois a regra é a licitação de menor preço (Lei de Licitações, arts. 45 e 46)”. 

“Dois anos depois e não conseguiram concluir a licitação. Nesse sentido, não há como legitimar a mantença do contrato com a Financial, assim como legitimar as contratações levadas a efeito pela atual Administração para coleta de resíduos sólidos e sua disposição final”, Fernando Lanza.

O promotor destaca ainda que, uma vez anulado o edital, o Município desconsiderou o valor desembolsado para a FAPEC, que para nada serviu, senão para embasar uma decisão anulatória do Poder Judiciário. “Enquanto a atual Administração, desde o seu início até a presente data, adota enredo de excluir um e beneficiar outro, passaram-se praticamente 03 anos, isso sem considerar o período de transição. Nesse tempo todo, a despeito da legislação permitir dispensa por 180 dias, fincada no excepcional interesse público, vedada a prorrogação (LL, art. 24, IV), foram realizadas sucessivas dispensas com prorrogações, que perduram até hoje. Em suma, apesar de estarmos no dilúculo do último ano dessa gestão, é fato que a Administração Pública de Três Lagoas não conseguiu licitar a coleta e manejo final do lixo, cuja necessidade já havia antes do início da atual gestão”. 

Desde 16 de janeiro de 2018, foi conferido prazo de 30 dias pelo judiciário para que se dê início ao processo de licitação, sob pena de responder por improbidade e, de acordo com o promotor, “Dois anos depois e não conseguiram concluir a licitação. Nesse sentido, não há como legitimar a mantença do contrato com a Financial, assim como legitimar as contratações levadas a efeito pela atual Administração para coleta de resíduos sólidos e sua disposição final”. 

Indisponibilidade dos bens 

Tomando-se por base a diferença inicial entre a oferta mais vantajosa e a escolhida da Financial, segundo Fernando Lanza, o erário vem sendo lesado mensalmente em R$ 310.524,83 (trezentos e dez mil, quinhentos e vinte e quatro reais e oitenta e três centavos), totalizando até o momento, sem nenhuma correção monetária nem juros, e o valor total de R$ 9.626.169,73 é apontado pelo promotor como a ser ressarcido pelos réus e que bens dos mesmos fiquem indisponíveis até o julgamento da ação para cobrir eventuais danos ao erário. 

“Na senda da narrativa sobreposta, a ação orquestrada dos requeridos (o prefeito Ângelo Chaves Guerreiro iniciando o procedimento e firmando contratos e aditivos, além de ser dele sempre a última palavra, a decisão final; o secretário Daynler Martins Leonel tudo coordenando inclusive no setor de licitações e até definindo as empresas a serem cotadas; tudo materializado em atos no setor de licitação sob a responsabilidade de Adelvino Francisco de Freitas; e o então diretor Adriano Kawahata Barreto, que efetuou a análise técnica das propostas, ao que consta em duas oportunidades, sendo a segunda direcionada à empresa contratada, e que talvez por sua lealdade foi galgado ao cargo de secretário), implicou em locupletamento ilícito da Financial Construtora Industrial Ltda., indevidamente contratada e mantida, e seu proprietário Antônio Fernando de Araújo Garcia, na exata medida em que foi lesiva ao erário e ofendeu princípios cogentes da administração, notadamente a legalidade, a eficiência, a moralidade e também a vantajosidade. Nesse sentido, foram ímprobos os requeridos”, acusa o promotor.

Sobre a indisponibilidade dos bens dos réus, o promotor entende ser necessária para assegurar a eficácia de eventual provimento condenatório de natureza patrimonial nas hipóteses de enriquecimento ilícito ou, como no caso, de prejuízo ao erário. “Por meio dessa importante medida, busca-se a real garantia do resultado prático de eventual condenação à recomposição do erário”. 

“Impossível, pois, dizer que não há sequer indícios hábeis a levar à conclusão da prática de improbidade administrativa, ou ainda, que não existe sequer a demonstração da probabilidade do direito invocado”, ressalta Fernando Lanza. 

Em função de todas as irregularidades apontadas na ação, o promotor Fernando Lanza pede ainda o imediato rompimento do contrato da prefeitura de Três Lagoas com a empresa Financial Construtora Industrial Ltda. E o bloqueio de todo e qualquer pagamento por serviços prestados. 

Fonte
Expressão MS

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo